Curiosidade curiosa
CASAMENTO INDIANO
Nosso guia de Varanasi afirmou que 95% dos casamentos indianos são arranjados. Achei exagero, fiquei intrigado; resolvi bisbilhotear este assunto. Desconfio que os restantes 5% são os famosos casamentos de “noivos fugidos”.
Casar na India é super-complicado. Dificilmente um rapaz vai encontrar e se apaixonar por uma garota que atenda os seguintes quesitos obrigatórios :
1- Que fale a mesma língua;
2- Que tenha a mesma religião;
3- Que seja da mesma varna (ou casta);
Mais ainda, pode exigir que atenda também os seguintes quesitos (todos ou alguns deles):
4- Que tenha horóscopo compatível;
5- Que seja de mesmo nivel social;
6- Que o pai dela concorde em pagar o dote exigido pelos pais dele;
7- Que não seja manglik;
8- Que ela seja submissa e caseira;
9- Que seja de determinado clã,
10- Que atenda outras exigências pessoais dos pais dele;
11- Que atenda outras exigências pessoais dele.
Alguns noivos(as) exigem outros quesitos, tais como disposição para morar em tal cidade, que exerça certa profissão, etc. Também é comum noivo anunciar-se como NRI (non-resident in India), e exigir da pretendente a disposição de mudar-se para outro país.
Alguns pais de noivos exigem dotes altos, alegando que “meu garoto é valioso”. O pai da noiva geralmente paga o dote a prestações, não raro durante anos a fio. Porém a exigência de dote é proibida por lei, embora seja ainda praticada. O pagamento do dote, quando existir, geralmente é negociado entre os tios da noiva e noivo, evitando o desconforto entre os pais.
Na India é importantíssimo o conceito de gotra (clã). Existem vários clãs na India (alguns milenares) que se casam somente entre si. Eles se consideram clãs de “linhagem superior” ou de “linhagem especial”, e não querem contaminar o sangue supostamente azul com o sangue dos demais mortais comuns e “inferiores”. Por exemplo, um rapaz do clã (sobrenome) Kashyapa procura noiva que seja do clã Bharadwaja, Madhya ou Karanchan.
Pedigree is pedigree e o resto é vira- latas. Não se mistura o crème de La crème com a plebe insignificante. Chiquérrimo !
Por esses motivos, os casamentos são quase todos arranjados, geralmente pelos pais do noivo, embora seja bastante comum moças procurarem noivos.
Porém os tempos mudaram, e os casamentos, apesar de arranjados, precisam da anuência dos noivos. I.e., uma vez arranjados e apresentados, os noivos tem a chance de se conhecerem melhor e aceitar ou não o outro. Quando uma das partes não gosta da outra, gentilmente manda um recado, dizendo que “infelizmente o horóscopo não é compatível”.
Pode acontecer de algum rapaz se apaixonar por uma moça “compatível”, mas ela não corresponder. O rapaz pede então a intervenção dos pais, para que o arranjo seja feito junto aos pais da pretendida.
As preferencias
Alem das exigencias de casta, religião, etc., alguns pretendentes fazem exigencias complementares. É comum os pretendentes homens darem preferencia a noiva de pele clara ou de “cor de casca de trigo”, e que seja magra. Por isso, é comum nos anúncios de jornais essas exigencias. O indiano comum tem pele escura e por isso a pele clara é uma obsessão. A indústria de cosmeticos fatura alto vendendo cremes que prometem clareamento da pele. A mania de pele clara é forte no oriente. Porem no Japão, China, Vietnam, Laos, etc, o esforço é para manter a pele clara (já que todos são claros). Já na India, o esforço é para clarear a pele. Graças a Deus aqui no Brasil não existe este tipo de bobagem.
Já as mulheres dão mais valor a segurança. Procuram noivos com boa profissão ou bom emprego. Muitas fazem questão de anunciar o valor do salário que o candidato deve ganhar.
Muitos pais ou mesmo pretendentes contratam detetives para bisbilhotar a vida do candidato, para verificar a veridicidade das informações que ele passou; se não mentiu para conquistar um bom casamento.
Os mangliks
Se uma das famílias for adepta à cultura védica, vai procurar saber se o(a) pretendente é um(a) manglik. Para os védicos, pessoas que nasceram sob determinadas posições do planeta Marte são consideradas de difícil convívio matrimonial, e pior ainda, podem atrair graves doenças ao companheiro(a) (!!). Essas pessoas são “mangliks” e devem passar por rituais para anular essa maldição. Porem muitas famílias não acreditam nesses rituais de “anulação manglik”, preferindo não arriscar, procuram noivo/a que não tenha nascido com essa “maldição”.
Feito todos os arranjos, acertos, “desmanglikizações”, e negociações dos dotes, o casal de noivos consultam um astrólogo, que irá indicar a melhor data para se casarem. Se os dois trabalham, procuram tirar férias na data indicada pelo astrólogo.
Interesses no casamento
É comum se arranjar casamentos que atenda interesses do noivo/a. Por exemplo, rapaz médico procurar noiva que também seja médica ou enfermeira. Vi um anúncio num jornal, de um rapaz médico cirurgião procurando noiva anestesista. Coisa do tipo: rapaz sanfoneiro procura moça que toque zabumba e tenha sanfona.
Da mesma forma, é comum haver casamentos arranjados com interesses envolvidos; como por exempço :
- engenheiro arrumar para o filho uma noiva cujo pai seja dono de construtora;
- médico casar filho com filha de dono de hospital;
- filho de deputado casar com filha do prefeito;
- dono de loja arranjar casamento de filha encalhada com o filho do gerente da loja,
- filho do padeiro se casar com o filha do fornecedor de farinha
As casamenteiras
Existe na India a figura das casamenteiras. São mulheres, geralmente líderes comunitárias, já passadas da meia-idade, com grande relacionamento social . Funcionam como intermediárias entre os pretendentes. Os pretendentes (ou os pais desses) procuram as casamenteiras para que lhe indique candidato/as. Elas são muito discretas nessa tarefa.
As casamenteiras possuem um grande “cadastro de pretendentes”, com informações dos candidatos (fotos, profissão, salário, origem da família, horóscopo, casta, etc) e a casamenteira geralmente pesquisa quanto a veridicidade das informações. Os cadastros e fotos são apresentados aos pretendentes (ou pais) que prometem absoluto sigilo sobre as informações oferecidas.
Muitos rapazes solteiros evitam de frequentar festas em que as casamenteiras estejam presentes, por medo delas publicamente apresentarem ou sugerirem meninas encalhadas.
Essa função de casamenteiro era muito comum entre a colônia japonesa no Brasil, até ao final dos anos 70, e trabalhavam nos mesmos moldes das casamenteiras indianas.
Dependendo da casta, e da bufunfa, o casamento indiano é suntuoso, grandioso, barulhento e pode durar dias.
Um dos nossos motoristas afirmou que a paixão geralmente brota depois dos noivos se casarem.
Devido a todo esse cuidado, a India tem o menor índice de divórcios do mundo. Mas também pode ser devido a grande dependência econômica da mulher; e fatores de origem social tal como estigma sofrida pela mulher divorciada, família, etc.
Os hinduistas acreditam muito em supertições, recomendações dos deuses, rituais, etc. e por isso a data do casamento é sempre marcada depois de se certificar se a data é proprícia para se casar. Por isso, nestas datas, pode acontecer das cidades estarem congestionadas, por que os noivos se dirigem ao local da festa em grandes comitivas barulhentas, que desfilam nas ruas da cidade, com direito a bandinha, e as vezes até elefantes.
As festas de casamento na India, quando as famílias são ricas, são super-produções. Fortunas são gastas na festa. Um vídeo super-bem produzido por profissionais de cinema, com tomadas em estúdios, externas, edição, iluminação, sonoplastia, etc é feito e postado na internet. Tecle no YouTube “indian wedding” e verá um festival de casamentos indianos super-produzidos.
Casamento na India: os noivos e convidados fazem um desfile pelas ruas.
Casamentos podem virar pena de morte
Assassinatos em nome da honra.
Na India, casar-se contra a vontade da família, ou casar-se com alguém de outra casta ou religião pode ser sentença de morte. Isso acontece quando casais de casta ou religião diferentes se apaixonam e fogem. Quando voltam a aldeia, podem ser assassinados. Também podem ser condenados os casais de mesma grota (mesmo clã), pois este tipo de casamento é considerado incestuoso.
Crimes de honra ainda são comuns na India, sobretudo em povoados mais remotos, atrasados. Algumas aldeias tem um conselho, uma corte local. É uma entidade informal, baseado na tradição; não tem nenhum fundamento legal. Esse conselho pode decretar pena de morte àqueles que se casam desobedecendo as tradições. A execução da pena é feita pela própria aldeia, com apedrejamento, enforcamento. Na maioria das vezes, familiares das vítimas participam do linchamento. Não raro os corpos são esquartejados e jogados em rios.
Também são assassinados em nome da honra os homossexuais e as mulheres adúlteras.
Este tipo de crime hoje na India mais moderna passou a ser combatido, e até mesmo pena de morte já foi imposta a praticantes desta barbárie.
O homicidio em nome da honra também acontece no Paquistão :
Moscou 08-08-08
Curiosidade : No dia 08/08/2008, estavamos, eu e Solange, em Moscou. Centenas de casamentos estavam acontecendo no dia, por que o número 08 é para muitos russos um número de sorte.